quem fala
fernanda weber, 1996, brasília. escrevendo para criar um lugar no mundo em que as coisas aconteçam num outro ritmo. ♥

a vida depois do tombo



nessa semana eu levei uma queda. estava andando apressada na rua, indo para uma consulta no dentista, fui olhar as horas no celular, tropecei e caí. daquele jeito meio cinematográfico: percebi que ia cair em câmera lenta, mas não pude fazer nada para evitar... só me deparei com meu corpo no chão, mãos e cotovelo ralados, película do celular trincada, uma areia fina e umas pedrinhas espalhadas pela roupa e uma sensação de infância me rondando.

eu estava perto de uma escola e fiquei torcendo pra que os adolescentes que estavam ali na frente não tivessem visto a cena. continuei no chão, mas me sentei, tirei a sujeira do corpo, avaliei os machucados, um rapaz que trabalha no comércio ali de perto me ofereceu ajuda pra levantar e um paninho pra limpar minha roupa (tava mais empoeirada do que imaginei). esse processo não levou nem três minutos, mas parecia que tinham passado trinta, levando em conta o tanto de pensamentos que invadiram a minha cabeça em 180 segundos.

esse mês foi meio esquisito pra mim, tive uma gripe muito forte, uma reação alérgica horrível, gastei muito dinheiro em uma dermatologista que eu nem gostei, passei semanas me sentindo insegura, feia e incapaz, dei muita brecha pra ansiedade alugar um triplex na minha cabeça e uma queda na frente de um monte de adolescentes na minha tão sonhada folga fechou março com chave de ouro. esse momento tinha tudo pra me fazer fingir um desmaio pra passar menos vergonha ou ficar o dia inteiro reclamando da vida e remoendo tudo que me chateou durante o mês (principalmente porque eu estava na tpm).

mas isso não aconteceu. 


aquela atmosfera de constrangimento com um toque de humilhação me rondava, mas por incrível que pareça, eu não estava tão envergonhada como costumo ficar (tenho um histórico meio extenso com quedas) e nem tive vontade de chorar. parece muito bizarro (e pode até ser), mas eu me senti viva. claro que eu não saí de lá feliz e saltitante, mas uma partezinha dentro de mim dizia: tá tudo bem, isso faz parte da vida, desde o sentido mais literal ao mais metafórico. a vida tem disso mesmo: cair, levantar, revisitar sensações que tavam esquecidas dentro da gente, rir de nervoso por não saber o que fazer, sentir vergonha e encarar o que as pessoas pensam sobre nós...

muitas vezes eu me peguei pensando demais sobre muita coisa, sentindo um vazio estranho e enxergando a vida por uma ótica bem pessimista. fica parecendo que os meus problemas são gigantescos e irresolvíveis, como se o mundo estivesse contra mim. nessas situações, nem quando acontece uma coisa muito legal eu me empolgo muito. a ansiedade deixa a gente meio deprimido, sem sal e morno. 

talvez por estar um dia muito ensolarado (o que me dá uma vitalidade danada), pela minha tentativa de ser uma pessoa mais positiva esse ano ou pelas sessões de terapia fazendo efeito, minha cabeça não entrou num looping de bad vibes. eu consegui olhar a situação de fora, perceber que a criança que eu era e morria de vergonha de tudo, agora já é uma mulher adulta que consegue lidar com uns constrangimentos, que a risada de uns adolescentes na frente da escola não faz diferença nenhuma pra mim e que tropeçar e cair é a coisa mais normal do mundo. eu repeti pra mim mesma: é só a vida acontecendo, tá tudo bem. e isso tá ressoando em mim até agora. quando a gente olha de fora, consegue redimensionar as coisas e entender que a vida acontece fora do nosso controle mesmo.

josé saramago já dizia "que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós".

Comentários

  1. Acho que quando a gente cai na rua a gente se preocupa mais com as feridas no nosso ego do que com as feridas físicas. Nessas ocasiões eu tento pensar que as pessoas que me viram na hora nem vão lembrar de mim daqui a um ano. Que bom que você conseguiu ver o acontecimento com outra perspectiva! :)

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    1. nossa, vanessa, é exatamente isso!! na real, ninguém tá nem aí pra gente, só a gente mesmo! hahah

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  2. Engraçado que se fosse na adolescência eu também morreria de vergonha, mas depois de adulta acho que ficaria mais preocupada se tivesse rasgado uma roupa que eu gostasse ou se o celular tinha quebrado, e dane-se se alguém viu, pois quem deveria se importar era eu. Adorei o jeito que retratou o acontecido, bora levantar e dar a volta por cima, iremos cair várias e várias vezes ainda!

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    1. commm certeza! na vida adulta as coisas acabam tendo outra proporção, nos atingindo de outro jeito, afinal, outras coisas tem mais importância do que a opinião dos outros, né?
      obrigada pelo comentário, paloma ♥

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  3. tão bom quando a gente consegue redimensionar as coisas, dar novos sentidos. nem sentidos de menos, nem sentidos de mais. de vez em quando me pego reflexiva sobre como as vezes a vida acaba sendo 8 ou 80. sentir tudo ou não sentir nada. viver no automático ou simplesmente não aguentar mais o peso das coisas. como se não houvesse um meio termo, um equilíbrio entre todas a sensações. e aqui tô eu divagando sobre a vida com o teu tombo HAHAHA <3

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    1. hahahahhah, simmmm, eu fiquei bem pensativa também (um tempo depois) sobre como um tombo pode ser só um tombo, assim como mil coisas que só são o que são e pronto. mas nossa cabeça cria umas interpretações loucas pra lidar com os acontecimentos, né? e que bom por um lado, assim a gente vai aprendendo com o que acontece.

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