Abri a porta e você entrou. Como quem não quer nada, adentrou de mansinho, limpando os pés no capacho, observando cada detalhe e vendo as mudanças que eu tinha feito. Se sentou e pôs-se a falar, ignorando o silêncio e a minha expressão de quem mal entende o que está se passando. Se aconchegou no sofá e desatou a lembrar do que já havia sido enterrado. Abriu as portas e janelas, me obrigando a ver a chuva que caia lá fora e sentir o frescor invadindo o meu refúgio. E assim saiu. Na chuva. Sem se importar com um possível resfriado ou com a bagunça que tinha feito em minha casa.
Voltou dois dias depois, trazendo o frio pra dentro do meu quarto e o calor ao meu coração. Com uns machucados à flor da pele e um semblante de quem quer cuidado, te cuidei, com direito a sopro para aliviar a ardência e delicadeza ao tocar cada ferida. E você sorriu, trazendo a luz em meio a tempestade, prometendo estadia longa e presença fixa no decorrer dos meus dias. Assim, joguei fora todas as coisas que alimentavam a melancolia e depositei cor nas paredes, alimentando a alegria de te ter por perto. Logo, sumiu.
Retornou após três dias, com o rosto cansado, abatido e o corpo marcado pela falta de cuidados. Eu - que era toda força em sua ausência - fraquejei. Te acolhi em minha casa, em meus braços, naquele sofá que você tanto gostava, acalentando o teu coração cansado. Você olhava como quem agradece e segurava minhas mãos como quem pede ajuda, para fugir de uma rotina entediante que consome suas forças em não fazer absolutamente... nada. Assim ficou.
Teu corpo se fazia molde para aconchegar o meu nos dias frios, enquanto minhas palavras eram teu guia na confusão dos dias difíceis. E você ficou, mesmo quando eu gritei e chorei. Mesmo quando eu me recusei a comer fast food. Quando eu aceitei caminhar na beira da praia a noite e te lembrei de quando planejamos isso, anos atrás. Ficou e sorriu.
Eu te entendi, pela primeira vez. Entendi seus complexos, seus caminhos, suas idas e suas voltas. Entendi suas marcas, seus receios e seus sonhos. Eu entendi seu gosto pela chuva e a sua necessidade de atenção, além dos minutos sem ninguém - que você precisa todos os dias. Entendi suas curvas e suas citações preferidas. E me identifiquei ali, em cada detalhe de crescimento e em cada abismo de imaturidade, na linha tênue entre o medo e a confiança. Sorri.

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